Parte 4 – Cenários
Nos anteriores textos abordei a evolução das agências de viagens, sobretudo numa óptica de lazer e sobre as novas ameaças e desafios que surgiram. Neste último texto sobre a matéria falarei sobre as oportunidades e possíveis “caminhos” para o futuro.
Como foi referido, a estratégia de posicionamento, competitividade e de modelo de negócio terá de passar por variáveis diferentes das do passado, em que o preço e a relação com o fornecedor ditavam regras. Nesse sentido, aponto o que considero serem algumas das linhas orientadoras das agências no futuro, a saber:
1) Segmentação e especialização – O consumidor procura quem conheça aquilo que oferece, sobretudo quando estamos a falar de nichos de mercado e de produtos que requerem alguma especialização. É algo em que o online dificilmente é alternativa, porque estamos a falar de serviços em que há necessidade de ter um interlocutor que possa aconselhar as melhores opções e que fale com o cliente como especialista do destino, da experiência ou do produto. Como já referido, há diferentes conceitos de especialização: neve, mergulho, cruzeiros, programas de voluntariado, programas de aventura, desportos radicais, viagens de luxo, luas de mel, e destinos centrados numa temática, como a fotografia ou a natureza, são alguns exemplos. Podem não ser necessariamente a principal fonte de receita da agência (até porque em Portugal pode haver problemas de dimensão) mas ajuda a dar visibilidade à agência, tornando-a conhecida e referenciada. Claro que obrigará a agência a ter, de facto, peritos nas matérias em causa e apostar no conhecimento intensivo dessa oferta.
A agência deve também apostar em mensagens de divulgação da oferta que apelem não tanto ao produto, ao destino ou ao preço mas claramente mais à emoção. Conceitos como o de cashing out (work to live, not live to work); o declicking (conceito de comunidade); o down aging da oferta e da audiência; de small indulgences e de pleasure revenge são conceitos que podem e devem ser introduzidos nessas mensagens e na oferta;
2) Relacionamento com o cliente – Um dos factores que continua a pesar na escolha de uma agência de viagens em detrimento de outras opções é a confiança e o relacionamento entre o cliente e o seu consultor de viagens. Este factor não é negligenciável e sobretudo em momentos de “crise” ou de indecisão são altamente valorizados.
Mas actualmente o factor confiança não chega. É preciso ter uma politica activa de serviço ao cliente e de relacionamento com o mesmo. É importante ter uma ferramenta e política válida de CRM, que nos permita conhecer melhor cada um dos nossos clientes, as suas preferências, os seus dados, o seu histórico. Dar-lhe a conhecer as ofertas disponíveis em função dessas preferências, comunicar em antecipação. Ter atenção aos detalhes nessa comunicação. Prestar um serviço de qualidade antes, durante e depois de cada viagem. Pormenores como ajuda no check in, serviço de apoio em viagem e um inquérito de satisfação pós-viagem são cruciais. Mesmo sabendo que as margens são estreitas e que pode não haver muita capacidade para tentar alguma forma de premiação/atenção de grande valor material, é crucial tentar fazê-lo, mesmo que simbolicamente.
Igualmente importante é a consciencialização de que estar atrás do balcão, esperando pela entrada do cliente dentro do mesmo ou do seu telefonema ou email é claramente insuficiente. É preciso ir ter com os clientes, perceber quais as associações/grupos de interesse onde é possível captar novos clientes e alimentar a relação com os existentes.
3) Divulgação e aposta nas redes sociais e novas tecnologias – A aposta na divulgação da oferta através de marketing digital, devidamente segmentado e permanentemente monitorizado, é algo que tem de ser valorizado, mesmo nas agências que não tenham no online uma presença significativa. Por outro lado, a presença em redes sociais permite reforçar a ligação à comunidade de clientes da agência, ajudando a melhorar o espirito de pertença e a imagem da agência, desde que não seja aproveitado para vender de forma ostensiva, porque pode ter um efeito contraproducente, de rejeição perante uma postura demasiado agressiva de venda. Acresce
Por outro lado, em termos de presença online, e ao contrário do que sucedia no passado, é possível, actualmente, ter uma pagina web transacionável a custos de concepção e manutenção bastantes inferiores ao que era comum, o que permite a diferentes agências marcar presença neste meio e ter mais um canal de venda;
4) Formação e avaliação – Esta área foi durante anos negligenciada e posta em segundo plano. Não é possível pensar que, perante o crescente nível de informação e conhecimento por parte dos clientes e querendo apostar em mercados especializados/segmentados, que tal possa sere feito sem preparar convenientemente os consultores de viagens. E é disso que se trata: de substituir o conceito de “técnico de turismo”, identificado com alguém que tecnicamente domina as ferramentas de reserva por “consultor de viagem”, ou seja, alguém com mais aptidões comerciais e mais informado sobre o destino e sobre o cliente, que tenha uma vertente completa de skills de venda. Aliado a este factor, é crucial possuir um esquema de avaliação e remuneratório que efectivamente recompense o mérito e a capacidade de criar valor acrescentado à empresa. Bem sei que a situação económica dificilmente o permite e que a própria dimensão da agência (muitas vezes unidades de reduzida dimensão) pode tornar incompatível esta última questão, mas julgo que deverá ser, pelo menos, tentado.
Procurei com estes artigos relembrar, ainda que de uma forma muito sumária, as principais variáveis que afectaram o segmento das agências de outgoing, e em especial as de retalho de lazer, nos últimos anos e dar uma perspectiva do que poderá ser o seu caminho no futuro. Muitas têm sido as vicissitudes e transformações por que têm passado, algumas delas por culpa própria mas seguramente outras por factores exógenos.
Em algumas circunstâncias, o papel das agências foi considerado, por alguns players, como um mal necessário ou como secundárias nesta cadeia, esquecendo por completo o papel insubstituível como força de venda e com a capacidade única de filtrar e acompanhar os pedidos dos clientes, algo que seria impossível de ser conseguido directamente pelos fornecedores. Mas as agências têm de entender que para serem devidamente remuneradas é preciso que essa percepção seja sentida a montante e a jusante, o que significa maior capacidade de associativismo e negociação por um lado e uma maior capacidade de diferenciação e especialização, por outro.
As agências de viagens vão continuar a existir mas para isso têm de ser vistas como um valor acrescentado para que o seu papel seja devidamente compensado.
					
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