O sector das agências de viagens e do turismo em geral é, historicamente, um dos mais dinâmicos e competitivos, quer pela permanente alteração da oferta e das condicionantes da procura, quer pelos factores internos e externos que a influenciam, quer pela necessidade de estar permanentemente na vanguarda das soluções tecnológicas que permitem dispor de ferramentas que assegurem essa competitividade.
Vou tentar fazer um resumo daquilo que foi a evolução este sector e apontar alguns caminhos que poderão ser eventualmente trilhados, quando muitos questionam o futuro das agências de viagem num contexto em que a “desintermediação” e a redução de margens tem sido a regra.
A última década alterou definitivamente o paradigma das agências de viagens, em especial na sua vertente de viagens de lazer, nomeadamente:
1) Internet – A melhoria das ferramentas quer a nível da fiabilidade da venda online quer da velocidade de comunicação criou não só uma competição acrescida com novos players como também gerou o fenómeno da “desintermediação”, em especial em destinos de alguma proximidade e de menor complexidade da viagem (voos directos/ ponto a ponto). Surgiram e continuam a surgir novas funcionalidades, como a marcação directa do hotel via portais de reserva ou via aplicações para smartphones e tablets. Aliás, não foi o único sector em que tal ocorreu, havendo outras áreas de retalho que se tiveram de adaptar. Esta realidade foi e é também um factor gerador de novas oportunidades mas obviamente com necessidades específicas de investimento e com uma estrutura de custos muito própria, o que muitas vezes é esquecido (sobre este assunto falarei noutra ocasião);
2) Low cost – Obviamente, esta realidade está também relacionada com o ponto anterior, dado que o facto de terem um canal de venda directo permitiu também a “explosão” das companhias lowcost, sendo que algumas delas negligenciaram e, em alguns casos, inclusive hostilizaram as agências de viagens;
3) Redução de margens – Os principais fornecedores sentiram-se legitimados a reduzir progressivamente as comissões pagas às agências passando, no caso da aviação, dos 9% na década de 90 para comissões inferiores a 1% (com pouquíssimas excepções), que obviamente nem sequer compensa, por exemplo, o custo da comissão bancária do cartão de crédito, caso a transacção é via agência e não por pagamento directo à companhia aérea. Isto para não falar dos custos associados a ter uma rede de distribuição, que seria insuportável para uma companhia aérea. As companhias áreas chegaram ao ponto de criar uma taxa de combustível para, sob o pretexto do aumento dos combustíveis, disfarçarem/justificarem aumentos de preços. Sendo o aumento dos combustíveis uma realidade, a verdade é que muitas vezes esses aumentos foram transferidos para o preço final, ao contrário do que por vezes é dito por alguns responsáveis de companhias aéreas, para justificarem resultados (mesmo com melhores taxas de ocupação). Os hotéis reduziram também comissões e o surgimento das “centrais de reserva” também reduziram essas margens. Por último, os próprios operadores turísticos aproveitaram a “onda” do combustível e criaram “despesas de combustível” que chegaram a ter um peso de quase 30% no valor total de um pack, para não pagarem comissão sobre essa parcela às agências…
A desintermediação ocorreu também porque os fornecedores (companhias aéreas, hotéis, rent-a-car) consideraram que estes novos meios de distribuição eram, de alguma forma, preferíveis em relação à rede de distribuição tradicional das agências. Talvez seja algo que possa vir a ser alvo de um estudo aprofundado: saber se os elevados investimentos em tecnologia e em marketing na web foram “compensados” com os cortes que foram feitos nas comissões das agências. Esta ideia de subvalorizar o papel das agências, esquecendo o papel crucial de uma rede de retalho e do papel das agências enquanto parceiro indispensável a vários níveis (capacidade de atendimento, gestão de reservas, acompanhamento de clientes, etc) é algo que foi e é desprezado ainda por alguns. A pergunta que fica é o que aconteceria aos call centers dessas empresas se de repente deixassem de existir balcões de agências? Haveria empresas dispostas a aumentar exponencialmente o nº de funcionários ?
De referir que o fenómeno da desintermediação chegou ao ponto de haver companhias aéreas que criaram tarifas apenas disponíveis nos seus sites, sem as disponibilizarem a agências, de haver companhias low cost que processaram agências por venderem os seus voos e por hotéis que, perante um pedido da agência não tinham disponibilidade, para 5 minutos depois a confirmarem por venda directa ao mesmo cliente…
A verdade também é que as agências de viagem contribuíram para este racional, dado que muitas delas “passavam” para o cliente essas comissões que recebiam, entrando numa espiral de descontos e de facilidades que acabaram por desvalorizar o seu próprio valor acrescentado junto dos clientes e fornecedores. Quem permanentemente oferece descontos e cobra menos pelos seus serviços, está a transmitir uma ideia de que pouco valor há acrescentado. Essa percepção foi crescendo quer junto de clientes quer junto de fornecedores. Neste último caso, foi inevitável o raciocínio por parte dos fornecedores de que, se a agência de viagem oferecia descontos sobre as passagens aéreas era porque não precisava dessa margem para suportar os seus custos…Sabemos que a pressão das vendas é muito grande e que a geração de fluxos financeiros fala mais alto que a margem de lucro, mas isso paga-se mais cedo ou mais tarde, chegando a malfadadas falências (ainda que em alguns casos também tenha a ver com má gestão, custos centrais excessivos ou questões conjunturais).
As agências responderam com fees e com concentrações, ainda que sob a forma de agrupamento ou aquisições, quando havia, aparentemente, músculo financeiro. Outras ainda, efectuaram um crescimento da rede de forma orgânica, apostando estrategicamente na contratação, com departamentos virados exclusivamente a servir a sua rede, assumindo como custo essa estrutura e sem repercutir no preço final ao consumidor, de forma a ganhar competitividade e aumentar vendas. Outras efectuaram concentrações verticais, de forma a não depender tanto de terceiros e supostamente a apresentarem maior competitividade e maiores ganhos.
Voltarei em breve com a 2ª parte desta exposição.
					
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